Gungunhana
– Rei de Gaza
Foto de Gungunhana, Rei de Gaza
Foto de Gungunhana, no inicio do seu reinado
Introdução:
Em pleno séc. XXI já só a
população de meia-idade, com mais de 50 anos, se lembra desta figura que era
referida nos livros de história e que se aprendia nas nossas escolas primárias.
Claro que após o 25 de Abril,
este conteúdo histórico teria de ser retirado por se entender ser nefasto, pouco ético e social a abordagem deste assunto pelos motivos da opressão e do
colonialismo exercidos por parte de Portugal.
Também é verdade que nos relatos
da nossa história, em quase 900 anos, nem tudo foram glórias, alegrias,
grandezas, actos heróicos, como foram sempre abordados nos nossos livros
escolares.
Em tudo na vida deveremos
contextualizar no tempo as acções e decisões tomadas por todos aqueles que se
manifestaram, que governaram e tiveram acções de maior ou menor relevo na sua decisão, desde o
período em que Portugal se tornou numa nação.
Ora, Gungunhana era uma figura
de grande impacto em África, pela extensão do seu reino e pelo poderio da sua etnia. Essa
área de ocupação estava compreendida numa grande parte integrante de Moçambique
e que nessa época era relevante para a ocupação de Portugal, pelos seus
interesses económicos e pela área geo-referencial perante o mundo.
A Alemanha e Inglaterra eram também
países intervenientes e preponderantes no domínio da faixa sul do continente
africano e não lhes era alheia a aceitação da ingerência de Portugal neste
espaço do mundo, onde à época o foco pela busca de riqueza, através das
explorações mineiras, linha férrea e da escravatura, perante a imagem mundial pela sua ocupação e
domínio eram assuntos de importância mundial.
Quem
foi:
Gungunhana foi o último monarca
da dinastia Jamine, cognominado o “Leão de Gaza”, e o seu reinado estendeu-se
desde o ano de 1884 até 29 de dezembro de 1895, dia que foi feito prisioneiro
por Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, na aldeia fortificada de Chaimite.
Foto de Gungunhana, em 1891
Com o nome original de
Ngungunhane, mais correctamente Mdungazwe Ngungunyane Nxumalo ou Reinaldo
Frederico Gungunhana.
Terá nascido em Gaza, Moçambique, no ano de 1859 e faleceu a 23 de dezembro de 1906, na Ilha Terceira, em Angra
do Heroísmo após condenação ao exílio, como desterro, nesta ilha dos Açores.
Subiu ao trono em 1884 ao qual
viria a ser cognominado o Leão de Gaza, e nasceu em território, que seu pai
dominava, entre os rios Zambeze e Incomati, mais provavelmente nas margens do
rio Limpopo, região onde o centro de poder “angune” então se localizava.
Era filho de Muzila ou Mzila
(f-1885), rei de Gaza entre 1861 e 1884, e de Yosio. Por sua vez era neto de
Manicusse (antes chamado de Soshangane), fundador e imperador de Gaza (f-1858)
que vindo do sul, da Zululândia, tinha fundado o Império de Gaza.
Origem do Império de Gaza:
Gungunhana nasceu numa sociedade
complexa e num período de grande instabilidade social e politica.
Seu avô era rei de um povo de
língua “nguni”, depois denominada pelos portugueses de “angune” ou “vátua” e
líder incontestado de um poderoso exército que ao longo de décadas migrara para
o norte desde a Zululândia, submetendo ao longo da década de 1820 cerca de duas
centenas de tribos, cujos chefes passaram a ser seus régulos vassalos.
Após terem partido das suas
terras ancestrais, actual África do Sul, os guerreiros angunes moveram-se
incessantemente pelos territórios entre os rios Maputo e Zambeze, esmagando os
povos autóctones fundando um império a que deram o nome de Gaza e que na fase
inicial ocupava cerca de 56.000 Km2 tendo atingido aproximadamente os 90.000 Km 2.
Actualmente a região de Gaza
contempla uma área ligeiramente menor de 75.709 Km2 reajustada pela
administração portuguesa.
Distrito de Gaza, Moçambique
Ao longo dos vinte anos de
percurso, o centro do poder angune estabeleceu-se em torno do vale do Limpopo
onde fundou a aldeia de Chaimite e aí fixou a sua capital.
Com a chegada dos angunes e as
convulsões então provocadas em todo esse percurso os povos locais e os
comerciantes portugueses estabelecidos ao longo da costa moçambicana foram
rudemente massacrados e a submissão forçada a um novo poder, tendo criado um
clima de insegurança e medo que permaneceria durante décadas.
Em agosto de 1840, Portugal enviou
uma embaixada à corte de Manicusse, chefiada pelo alferes Caetano dos Santos
Pinto tendo recebido as instruções de estabelecer um tratado de amizade,
havendo entre as partes trocas de oferendas.
Perante tal proposta o rei
Manicusse declarou que no momento não via qualquer vantagem no referido tratado
com o rei de Portugal, conforme foi expresso no relatório de 18 de novembro
desse ano, apresentado e registado pelo escrivão da Fazenda Nacional em
Inhambane.
Contudo os ataques continuariam
mantendo-se o clima de instabilidade na região perante os portugueses
estabilizados no país.
Com a morte de seu avô Manicusse, em
1858, a disputa pelo trono foi travada
entre seu pai Muzila e seu tio Mawewe, tendo este saído vitorioso e que logo de
imediato terá atacado todos os seus irmãos de modo a ganhar poder.
Apenas o pai de Gungunhana
conseguiu fugir para o Transval, onde organizou um exército para atacar seu
irmão e que provavelmente o terá levado em tenra idade.
Durante estes anos e até 2 de
novembro de 1861, seu tio demonstrava prepotência e uma maior agressividade que
seu antecessor criando um sentimento de ameaça às populações coloniais e locais
e especialmente aos portugueses.
Um dos exemplos de exigências foi
a imposição de pagamento de tributo na colónia de Lourenço Marques, quer em fornecimento
de calçado quer em dupla tributação para as mulheres grávidas, implicando uma
ameaça de guerra de extermínio contra os interesses portugueses na região.
O Governador da praça de Lourenço
Marques, Onofre Lourenço de Paiva de Andrade, terá respondido com o envio de um
cartucho dizendo que seria aquela a forma de pagamento do tributo provocando
uma declaração de guerra.
Nessa data chegaram a Lourenço Marques
enviados de seu pai, Muzila, informando a aceitação do apoio português na
contenda a troco de vassalagem, assumindo-se a partir daí como rei.
A batalha deu-se em finais de
novembro de 1861 numa linha de quatro léguas entre as praias da Matola e as
terras de Moamba e que apesar de ter menos homens saiu vitorioso. Dia 30, após
esta vitória, apresenta-se no presídio de Lourenço Marques, sendo amigavelmente
recebido pelo governador.
A 1 de dezembro foi celebrado o
tratado em que Muzila se declarava súbdito português e elaborada uma acta que depois
de aprovada pelo governo português, acabaria publicada e incluída no nº. 4 da
publicação Termos de Vassalagem (1858-1889).
A 16 de dezembro travou-se uma decisiva batalha permitindo a consolidação da nova aliança em troca de armamento, apoio regional e lideres locais, que preferiam submeter-se à suserania do rei de Portugal em vez da hegemonia local do predecessor, Mawewe.
O desterro:
Esta guerra continuaria até
1864, tendo sido deslocalizada a capital do reino do vale do Limpopo para
Mossurize, a norte do rio Save, correspondendo a actual província de Manica.
Seu pai, Muzila, foi dominando
progressivamente os angune e os povos vassalos e a partir dessa data tornou-se rei incontestado do Império de Gaza, passando Gungunhana a ser um dos príncipes em
ascensão e potencial sucessor de seu pai, iniciando o seu caminho para o poder.
Ascensão
e queda:
Foi nesta região do vale do
Limpopo dos anos 50, no enquadramento social e politico, que nasceu Mundagaz, ou
popularmente conhecido com o nome de Gungunhana, de sangue real e um dos candidatos
a herança do trono.
Educado para a vida de guerreiro
e tendo acompanhado seu pai e avô, desde tenra idade, nas grandes caminhadas
que empreendiam todos os anos através da região dos seus vastos domínios.
Toda a sua formação foi
direccionada para a luta e poder, aprendendo as tácticas de guerra e
negociações desde criança ainda no reinado de seu avô, Manicusse.
Com 34 anos de idade iniciou a
sua governação, ano de 1884, herdando uma área territorial extensa e uma
população com mais de meio milhão de habitantes.
Gungunhana em Manjacaze, em 1895
Fixou a sua corte em Manjacaze
tornando-a capital de Gaza, onde iniciou a sua governação num período critico
para o continente africano.
Coincidia com a Conferência de
Berlim (15 de novembro de 1884 - 26 de fevereiro de 1885), também conhecida por
Conferência da África Ocidental ou do Congo, consistindo na colaboração
europeia pela partição e divisão territorial daquele continente.
Logo em janeiro de 1885 tomou a
iniciativa, fundamentalmente com os portugueses e com a Europa, como prioridade
governativa. Contacta as autoridades portuguesas em Chiloane, enviando um
presente e a anunciação da sucessão do reino. Este gesto foi visto como uma
oportunidade para reforçar a presença portuguesa juntos com as comunidades
locais do seu reino e especialmente com os augunes ou vátua, como também eram
designados.
As convulsões territoriais a partir daí acentuaram-se perante a cobiça por parte da Grâ- Bretanha e da Alemanha tendo o governo português agindo rapidamente de modo a garantir a área dominante face à provável perda de território, tendo assinado um tratado, no ano de 1886, com o chanceler alemão, o tratado da delimitação das colónias dos dois países. posteriormente anexado ao documento, em 1887, o mapa "cor de rosa", onde Angola e Moçambique se uniam territorialmente, passando toda a área para a soberania portuguesa, e onde nela fazia parte o Império de Gaza.
Mapa "Cor de Rosa"
Face à crescente presença
britânica no território e em particular a passagem pela região por um comando
britânico com 5000 soldados, o governo português decide aproveitar as boas
relações com o novo régulo, Gungunhana, e nomear um residente português junto a
sua corte que servisse de oficial e de
ligação como embaixador e conselheiro politico.
A escolha recaiu por um
aventureiro da região com larga experiência, onde tinha já sido militar, comerciante
e funcionário público, de nome José Casaleiro Alegria, que gerou controvérsia,
invejas e descontentamentos e que viria a ter larga influência nos
acontecimentos subsequentes.
Esta nomeação em 1885 foi muito
bem recebida na corte de Gungunhana, ganhando rapidamente a confiança deste e
dos principais lideres políticos.
Rapidamente é entendido por parte
do governo português em assinar um novo tratado em substituição do de 1861, com
seu pai, que se encontrava manifestamente desactualizado e esquecido.
Para tal, Gungunhana decidiu enviar uma
embaixada a Lisboa nomeando Casaleiro Alegria com plenos poderes perante
Portugal.
Conjuntamente com ele partiram
outros dois representantes, nobres de outras etnias, e que as suas crenças e
tabus lhes permitiam atravessar o mar, pois tal acto para os augunes tal seria impossível
e irrealizável por lhes ser tabu.
Para Portugal estas diligências
transformaram-se em desconfianças tendo levantado suspeitas e intrigas, sendo a
embaixada considerada por muitos como uma impostura. Mesmo assim, foi recebida
pelo Ministério da Marinha e Ultramar a 12 de outubro, sendo nessa altura
assinado um tratado de amizade e vassalagem entre os reis de Portugal e de
Gaza, publicado em Boletim Oficial da Província de Moçambique de 9 de janeiro
de 1886. Este documento oficializava a presença do residente português e
permitia a livre circulação de portugueses em Gaza, ao mesmo tempo que concedia
a honra de coronel de segunda linha do exercito português e direito a
respectiva farda, a Gungunhana.
Todo este processo culminou num
outro acordo quer pelas desconfianças criadas, quer por dificuldades da
aplicação do tratado, quer pela autenticidade dos poderes de Casaleiro, surgiu
uma nova versão, menos ambiciosa nos propósitos contribuindo para um maior
descrédito de todo o processo.
Em 1887, e perdida esta
oportunidade, nova embaixada é preparada sendo então enviados dois emissários
augunes, N'Tonga da casa de Manjacaze e Udaca da casa de Udengo, sendo desta
vez recebidos pelo rei de Portugal, e que aproveitando a sua estadia neste
país lhes fizera a apresentação dos arsenais e quartéis com o objectivo de
demonstração do poder de Portugal.
Foi igualmente incluída uma
visita a um circo mostrando um homem branco a domar um leão, considerando esta proeza
de incrível magia e poder aos olhos dos enviados.
Esta visita a Lisboa e as
noticias da anexação da Zululânida à colónia natal, a 14 de maio de 1887, levam
um período de melhorias nas relações com os portugueses, sendo rapidamente
fragilizada pelas decisões tomadas na
Conferência de Berlim ao qual a posição portuguesa começa a endurecer, ganhando
contornos de gestos imperialistas.
Face ao crescente numero de
estrangeiros e de exigências nas suas terras, Gungunhana sente-se ameaçado, quer
pelas forças portuguesas quer pelas britânicas e pela aparente ameaça de discórdia
interna e face à existência de pretendentes ao trono no exílio, este decide mudar a sua capital de
Mossurize para Cambane, cerca de 600 Km a sul, num movimento que desencadearia
novas resistências e novas guerras, pois este novo território se posicionaria
próximos de povos considerados inimigos.
Esta mudança serviu para um aproveitamento
politico tendo em conta as rivalidades existentes entre as potências europeias
e defender a independência em relação aos portugueses, aliviando as pretensões sobre
as minas de Manica e consolidando a soberania ngungi.
Foto Jornal Ilustrado, nº. 15, de 1/11/1933 - Reconstituição de Kraal (cidade típica Vátua) de Manguanhana,
na Lagoa de Suli, próximo do Limpopo, construída em 1892 e incendiada em 1895.
Por esta altura Gungunhana tenta
apoios dos ingleses e de Cecil Rhodes, inglês e homem de negócios e envolvido
na linha de comboio a projectar e que ligaria o Cabo (África do Sul) ao Cairo
(Egipto) e que nunca viria a ser concretizado.
Neste período a complexa teia de
compromissos seriam permanentemente quebrados e reassumidos, em que ataques aos
interesses dos portugueses que logo se seguiam com embaixadas de desculpas e amizades,
e os ataques constantes contra povos que se tinham colocado sob a protecção
portuguesa não paravam.
Até que surge a 11 de janeiro de
1890 o "ultimato britânico" exigindo a retirada das forças
portuguesas na região do rio Chire (Niassalândia) e das terras dos macololos e
dos machonas (actual Zimbabwe), razão para a concretização da linha férrea e de
outros objectivos por parte de Londres, ameaçando Lisboa com bloqueio naval e acção
armada.
De imediato, no próprio dia do
ultimato, o rei D. Carlos I apressa-se a comunicar a rainha Vitória de que
cederia às exigências apresentadas.
Contudo esta decisão de fraqueza
gera uma onda nacionalista e de repudio motivando a administração colonial
portuguesa em mudar de posição, acabando os acordos e cooperação e passar a
agir e a falar em submissão e vassalagem, no sentido da pacificação, mesmo
que implicasse a intervenção armada e o derrube de régulos menos cooperantes.
Foto de Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque
Em 1891, com a chegada de
Joaquim Mouzinho de Albuquerque, ao posto de governador de Lourenço Marques, um
monárquico e nacionalista de linha dura, ganha nova acutilância nos dois anos
de governação com um endurecimento nas relações com os povos africanos
circundantes, acabando com a condescendência que se caracterizava então a
presença portuguesa nas décadas anteriores.
Foto de Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque em ambiente colonial
Entretanto os jogos económicos e
políticos por parte dos ingleses e fundamentalmente por parte de Cecil Rhodes,
da British South Africa Company elegem a região de Gaza e o porto de Lourenço Marques
como objectivos estratégicos para o escoamento das matérias-primas do Transvaal
(nordeste de África do Sul), bem como de outras grandes concessionárias que
usufruem do poder quase absoluto nos imensos territórios que exploram, a
Companhia do Niassa, a Companhia da Zambézia e Companhia de Moçambique.
A força aparente exercida por
Mouzinho de Albuquerque resumia-se a uma estreita faixa do litoral e de alguns
pontos isolados no interior.
Todas estas frentes procuram
atrair de diversas formas Gungunhana para os seus interesses. Por Portugal
instala-se um intendente-geral na corte conforme acordo de outubro de 1885, outros
apresentam ofertas e Cecil Rhodes obtém de Gungunhana, a troco de um milhar de
espingardas, munições e de um subsidio anual em dinheiro, a concessão da
exploração de minérios e o acesso ao mar.
Emissários enviados por Gungunhana a Londres, em 1891
Em função destes actos
Gungunhana é surpreendido pela rapidez dos acontecimentos e pela radical
alteração do comportamento português.
Decide então jogar no conflito entre
Londres e Lisboa, mas fica sem resposta o seu pedido de protecção à rainha Vitória,
do Reino Unido. Sem que ele soubesse, ambos os governos tinham chegado a acordo
na delimitação dos territórios africanos, rubricando em junho de 1891 um
entendimento onde Gaza fica, sem margem para dúvidas, integrado no
território moçambicano.
O imperador é intimado a
assumir-se como súbdito de Portugal, caindo a esperança de qualquer reacção
britânica.
A partir daí, desde 1894 foram
desencadeadas várias campanhas pelo exercito português para a captura de
Gungunhana, tendo como confrontos mais relevantes, em 2 de fevereiro em 1895,
na Batalha de Marracuena, em 7 de novembro, da Batalha de Coolela, a 11 de
novembro com a destruição de Mandlhacaze, capital do Império, e a 28 de
dezembro com a captura do rei, na aldeia fortificada de Chaimite antiga capital
do reino.
Postal Ilustrado de quadro a óleo do aprisionamento de Gungunhana
Painel figurativo do aprisionamento de Gungunhana
Desenho de fuzilamento de súbditos de Gungunhana
Peça representativa do aprisionamento de Gungunhana
Com a sua captura e tendo em
conta o seu reconhecimento pela imprensa europeia, a administração colonial portuguesa
decidiu condená-lo ao exílio em vez de o mandar fuzilar, como fizera com
outros.
Foi então decidido que viria
para Lisboa, acompanhado pelo filho de nome Godide, suas mulheres e outros
dignitários. Após uma breve permanência naquela cidade, seria desterrado para
os Açores até ao fim da sua vida.
Foto de Gungunhana com as suas 7 esposas
Foto de Gungunhana com as suas 7 esposas (após captura)
No dia 13 de janeiro, Gungunhana
e 31 prisioneiros, incluindo as 7 esposas por ele escolhidas, foram obrigados a
embarcar no barco a vapor "África" rumo Lisboa.
Mais que o exílio, o mar eram
temidos por estes africanos de raça aungunes, pois eles não comem peixe e
diabolizam a travessia do mar.
Postal de Gungunhana e uma das suas mulheres (a preferida)
De acordo com descrição de um
jornal, relata que foram amontoados numa camarata em condições abjectas. Na
paragem por Luanda, adquiriram-se roupas para os vestir ao estilo europeu.
Em Cabo Verde foram deixados
outros prisioneiros de menor importância também em desterro.
Dois meses depois da partida
chegaram a Lisboa, além do rei e seu filho, Godide, o único que já falava português,
vinham com eles Molungo, seu tio e velho conselheiro, Matibejana, conhecido por
Zixaxa, um régulo que atacara Lourenço Marques e tinha sido traído por
Gungunhana, para além das 7 mulheres de Gungunhana e 3 por parte de Zixaxa, e
acompanhando-os, Gó, um cozinheiro.
"Na metrópole, reinava a euforia. Uma multidão apinhou-se
no cais à chegada do imperador que a imprensa pintava como um monstro. O Diário
de Noticias imprimiu no dia seguinte: Quando entramos nos alojamentos estavam
todos os pretos deitados e o Gungunhana, que ocupava uma extremidade da
tarimba, tinha o rosto coberto. Alguém lhe descobriu a cara e o preto
despertou, olhando para todos com olhos desconfiados. Pouco depois foi ordenado
que subisse a pretalhada para a tolda, onde se faria a sua exibição.
Aterrado
com o medo da morte, Gungunhana chorava, tremia e oferecia o gado, o marfim e
os escravos que já não tinha a troco de um encontro com o rei. Vou morrer? Para
que lhes sirvo eu? Deixem-me regressas que morro se não vejo as minhas terras."
gritava, segundo a tradução do interprete.
Seu
filho, Godide, exibia uma postura diferente, distribuindo mesmo alguns autógrafos
aos curiosos.
O cortejo com seis carruagens abertas levou-os até ao Forte de Monsanto, onde ficariam um pouco mais de 3 meses. A
animosidade e as ameaças da população foram de tal ordem que no dia seguinte
alguns jornais criticaram a passividade da polícia. Os gestos mais repetidos
eram o de estrangulamento e de degolação."
A curiosidade acerca dos africanos
manteve-se nos meses seguintes e Carlos Enes, no seu Álbum Angrense escreve
ainda, que “… o Régulo e os seus almoçavam habitualmente às 7h e jantavam às
16h. O serviço de louça e talheres é como de qualquer europeu; preferem carne,
arroz, vinho e aguardente e não comem peixe de qualquer qualidade.” E ainda: “Na
camarata onde dormiam, as sete camas dispunham-se da seguinte forma: em duas
delas, juntas, ficava Gungunhana entre suas duas favoritas; as outras cinco
camas ficavam mais afastadas. (…) A favorita é que limpava a coroa de cera que
Gungunhana tinha na cabeça, dando-lhe brilho com óleo especial.” O que mais
chocava a sociedade portuguesa, católica e conservadora era a poligamia.
No dia em que anunciaram a mudança
para Angra do Heroísmo, a Gungunhana foi dada a possibilidade de escolher uma
das mulheres para o acompanhar. Não o fez. Ou iam todas ou não ia nenhuma. As
sete acabaram deportadas para deportadas para São Tomé e Príncipe. Foram
entregues cobertores e calças de brim aos cativos. “Que por sinal não lhes
serviam.”, diz Carlos Enes. “As de Gungunhana, por exemplo, rasgaram-se logo
que subiu para o trem.” O acidente suscitou troça de Zixaxa.
O desembarque em Angra do
Heroísmo, a 27 de junho de 1896, foi mais humano. Os ilhéus tinham sido
sensibilizados para receberem dignamente os desterrados: “Respeitemo-los pois,
e que se lhe amenize, quanto possível for, a tristeza do exílio.”, escreveu a
União.
(…) Foram levados para o Forte de
São João Baptista, que já tinha sido o destino do degredo do rei português D.
Afonso VI. “Quando fui destacado para o quartel de Angra, no Forte, o que mais
me fascinava era a passagem do Gungunhana”, diz o coronel Luis Sodré de
Albuquerque, director do Museu Militar, em Lisboa, que tem no seu acervo a
espingarda e espadas de Gungunhana, bem como umas calças gigantescas que se
pensa terem-lhe pertencido. “Mas nunca descobri em que sala tinha estado preso.”
Segundo Carlos Enes, ficaram “numa
ampla caserna, durante o dia, e à noite numas pequenas casas junto à porta de
armas”. Nos primeiros meses, podiam apenas passear pelo recinto do Forte até às
20 h, recolhendo depois à cela. Mas as medidas de segurança foram-se
suavizando, permitindo aos reclusos o acesso ao Monte Brasil, um promontório
vulcânico cuja única saída para terra passa pela fortaleza, e mais tarde à
própria cidade de Angra do Heroísmo.
Recebiam visitas frequentes e até
de São Miguel chegavam curiosos para os conhecer. “Para efeitos de vencimento e
alimentação foram equiparados a sargentos adidos: recebiam pão, o rancho de
oficiais inferiores e o pré-diário de 260 réis”, com Carlos Enes.
Fotografia conjunta com os 4 prisioneiros
Segundo testemunhos da época,
Gungunhana alternava entre as boa-disposição e a melancolia, falando muitas
vezes das mulheres que deixara para trás. Molungo, carrancudo e desconfiado,
nunca se deixou seduzir pelos brancos, rejeitou aprender português e os
costumes locais. Já Godide, seu filho, sempre demonstrou ser um rapaz loquaz e
divertido, era o que gerava mais simpatia entre os ilhéus da Terceira,
alimentando sempre a esperança de voltar ao seu reino, de preferência,
confessou a um jornal, “casado com uma mulher branca”.
Zixaxa manteve sempre o porte
altivo, como se nem o degredo lhe apagasse a identidade de chefe militar. (…)
O passatempo preferido dos augunes
era a caça ao coelho bravo, no Monte Brasil, “Faziam-na com paus afiados,
segundo a tradição zulu, de que descendiam”, afirma Sodré de Albuquerque.
“Apanhavam com cães e furão, às
vezes oito a dez coelhos, que depois cozinhavam à sua moda, acompanhando o
festim com vinho tinto em tal quantidade que ficavam perdidos de bêbados. Era o
seu fraco”, escreveu o jornal Vida Académica, em 1936, o tenente-coronel José
Agostinho, que com eles conviveu na ilha.
Os africanos eram também vistos
nas tabernas de Angra do Heroísmo e, mais segundo a tradição oral do que em
registos escritos, eram levados às prostitutas da povoação.
Os açorianos seguiam a vida dos
forasteiros com atenção e fizeram-se notícias da noite em que Gungunhana caiu
da cama ou mesmo dos seus hábitos de limpeza. (…)
Gozavam de grande popularidade; as meninas
usavam chapéus com abas “à Gungunhana”, o Teatro Angrense dedicou-lhes a peça “Gungunhana
nos Açores”, a fábrica de tabaco Flor de Angra oferecia brindes com as suas
fotografias.
Postal Ilustrado de 1904, com os 4 desterrados já com com os seus nomes de baptismo
Por pressão das autoridades, foram
baptizados em 1899, na Sé Catedral, numa cerimónia pomposa e muito participada.
Trajados com fraque, lenço, cartola e polainas, foram apadrinhados pela elite
da sociedade angrense e adoptaram nomes cristãos: Reinaldo Frederico
Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zixaxa e José
Frederico Molungo. A predominância do nome Frederico serviu de homenagem ao
governador do Forte, o general Frederico Augusto Pinheiro."
Assento de baptismo
Após 10 anos de desterro, devido a
vítima de hemorragia cerebral, o rei faleceu com 60 anos, a 23 de dezembro de
1906. Foi enterrado na véspera do Natal rodeado de seus companheiros e pouco
mais participantes. Seu filho sucumbiu em 1911 com tuberculose e no ano
seguinte seu tio Molungo.
Zixaxa foi o único que perdurou
tendo tido dois filhos de uma açoriana e ficado a trabalhar como guarda do Monte
Brasil até ao fim de vida ao qual sucumbira a uma lesão cardíaca em 1927.
O
regresso:
A sua trasladação e requisição foi
previamente solicitada por Samora Machel, aproveitando sua visita a Portugal,
considerada como visita de reconciliação e fraternal entre os dois países.
A 4 de outubro de 1983, a
autorização foi concedida por despacho de Mota Amaral, então Presidente do
Governo Regional dos Açores permitindo que a 7 de outubro de 1983, aquando da
chegada do Presidente moçambicano.
Chegada de Samora Machel a Portugal, a 7 de outubro de 1983
Infelizmente este processo criou
algum desconforto entre as relações dos dois países, pois Gungunhana tinha sido
enterrado em sepultura para pobres e muitos cadáveres lhe haviam sucedido
naquela cova tornando-se impossível o reconhecimento das suas ossadas.
A decisão foi de se levantar umas
ossadas quaisquer, encaixotá-las e enviá-los ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
O gesto não caiu bem e o Governo
revendo a sua posição inicial entendeu como mais adequado entregar ao
presidente moçambicano apenas uma caixa com terra do local onde tinha sido
enterrado.
Assim foi, do cemitério foi
retirada uma porção de terra para um pote de cerâmica e pronta para ser
enviada, tendo ficado dois anos à espera na capela do Palácio das Necessidades,
em Lisboa, a aguardar que Moçambique preparasse uma cerimónia de trasladação
condigna.
No entanto o episódio ainda fez
correr muita tinta. Insatisfeito com a dimensão do pote, Samora Machel dirigiu
ao governo português uma carta exigindo o cadáver real, e num caixão, sob o
risco de o povo não levar a sério o acontecimento.
Quando se julgava que Gungunhana
podia finalmente repousar em paz nas margens do rio Limpopo, o seu busto em
Mandlakazi foi vandalizado por membros de uma etnia rival dos augunes, os
chopes.
Finalmente, a 15 de junho de 1985,
os moçambicanos nunca tinham visto um caixão tão belo a aterrar em solo
moçambicano com os restos mortais de Gungunhana. O caixão tinha 2.0 m de
comprimento e 0.75 m de altura, pesando 225 Kg e apresentando uns baixo relevos
do escultor Paulo Cosme.
Um desfile que percorreu num
cortejo pela cidade, seguida por milhares de pessoas, até ao Salão Nobre do
Conselho executivo, de onde sairia mais tarde para a sua morada final, a
Fortaleza de Maputo, com lápide de herói nacional. Nele apenas restava um
punhado de terra do cemitério da Conceição, de Angra do Heroísmo, onde fora
discretamente enterrado sem direito a lágrimas nem tiros de canhão.
Gungunhana ficará para a história
de que foi e será sempre uma figura contraditória: um hábil negociador, pródigo
em fazer alianças para segurar o império, mas sem pudor para matar inimigos,
mulheres e crianças; e um líder temerário que, na derrota, se desfez em lágrimas
e em súplicas para evitar a morte, preferindo ser exibido em Lisboa como troféu
da glória colonial.
Já passados mais de cem anos após a sua morte muito se escreveu sobre esta figura, com histórias, contos e lendas, verdades ou mentiras, retiradas de relatos escritos e orais.
Poderão ler ainda mais sobre Gungunhana em obras cuja investigação e veracidade poderão acrescentar sobre a sua vida.
Fontes e Informações e fotos retiradas de:
- http://ardinadarede.blogspot.com
- http://jornalagora.pt
- https://delagoabayworld.wordpress.com
- http://www.esferadoslivros.pt
- https://www.fnac.pt
- hyttps://pt.wikipedia.org
- https://macua.blogs.com
- https://www.coisas.com
- https://i.pinimg.com
- https://fotos.web.sapo.io
- https://www.flickr.com
- https//www.jn.pt
- htpps://expressa.pt
- https://www.dw.com
- https://www.sabado.pt
- htpps://docplayer.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário