Direitos
de água – Baltar, Paredes
Os aforamentos, as servidões e as águas para rega
são direitos antigos que advêm de hábitos ancestrais e que ainda se encontram
em uso.
vale da Gralheira - Baltar
"as 3 presas e os consortes"
Em Baltar, o direito da água de regadio, para
vários consortes, ainda existe, e com mais de 150 anos, como é um caso que se passa a
descrever.
Como sabem, Baltar tem a uma tradição agrícola onde
predominam áreas de RAN (Reserva Agrícola Nacional), e assinaladas em regime de
PDM (Plano Director Municipal).
Já em 8 de janeiro de 1758, o Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas, e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto de 1 de novembro de 1755.
Uma das questões levantadas foi sobre a existência de linhas de água, na freguesia, e que de acordo com o descrito nas Memórias Paroquiais de Baltar, pelo Abade Agostinho José Ferreira, teve a seguinte resposta:
" (...) Como se chama assim o Rio, como o sitio onde nasce?
Respondo: não ha Rio, mas sim hum Regato, que nasce na freguezia de Vandoma em hua lagôa, o qual rega a mayor parte das terras desta freguezia por repartições que tem, E nesta freguzia hâ quinze moinhos que moem com agua do dito regato no tempo do Inverno, e de Veram âs prezas dao: ha tambem hua ponte de pedra, chamada da pedra no lugar da ponte, por toda a margem deste regato se cultiva de pam, com suas arvores e vides de Vinho Verde."
Na monografia de Paredes, do ano de 1922, do Dr.
José do Barreiro, na sua pág. 258, menciona as águas que lá passam, descrevendo:
“
(…) Nasce em Baltar, no lugar do Sargeal, um ribeiro, a que chamam ribeiro da
Igreja, que atravessa a estrada nacional nº 33 no lugar da Ponte da Pedra,
passa a uns cem metros da Igreja, e vae desaguar no Sousa, ao pé da estação de
Cete.
Outros
dizem que esse ribeiro nasce nos montes da freguesia de Vila Cova de Carros e
atravessa a freguesia de Mouriz. Assim se lê em Pinho Leal, vol. XI, pág. 706.
São dois erros. Nem nasce em Vila Cova de Carros, nem atravessa Mouriz.
Há
outro ribeiro, de que se fala adeante, numa nota, e que nasce no lugar de Moinhos,
perto do lugar da Gralheira e vem juntar-se ao ribeiro da Igreja, pouco abaixo
do lugar do Sargeal.
Há
finalmente ainda um ribeirito que nasce no lugar do Sarzedo ou Ferido de Água
passa pelos lugares de Ancede, Ribeiro e Ramos e junta-se ao ribeiro da Igreja,
a uns 200 metros de distância desta. É todo gasto em regas no verão.
Nesse
tempo, a água de ambos estes ribeiros é toda, ou quasi toda, gasta nas régas
dos campos de milho. (…)”
Na mesma obra, na pág. 266, “(…) Acrescenta que não havia rio,
mas sim um regato que nasce na freguesia de Vandoma, em uma lagoa, e rega a
maior parte das terras de Baltar, por meio de repartição que tem entre os
lavradores, e nesta freguesia há quinze moinhos que o rio move de inverno; e de
verão as prezadas (2);
(2) - Informam-se que esse regato
nasce em Vandoma, no lugar de Moinhos, perto do lugar da Gralheira (de Baltar),
que é represado em prezas e se gasta todo em regas; que não há lagoa, mas sim
um charco ou paúl no lugar da nascente.
Lugar dos Moinhos, Vandoma
"3 presas de Baltar"
Infelizmente não se descobriu o documento que rege
estas águas que vêm do lugar de Moinhos, em Vandoma, embora existam referências
de documentos pessoais que provam essa existência e ainda a sua utilização.
De facto o que está escrito na monografia, de forma
menos rigorosa, é verdade. Menciona a existência de presas de construção
natural, no alto da serra do muro, no lugar de Moinhos e estão reconhecidas
como presas de Baltar. Segundo dizem, e na voz de D. Emília Ferreira, de 84
anos, residente na casa adjacente à presa mais a montante, existem 3 reservas
de água direccionadas para Baltar e mais refere também existirem outras presas
para as terras de Vandoma.
O certo é que de facto as 3 presas que se localizam
neste lugar estão designadas de presa grande, média e a pequena, distanciadas entre de várias dezenas de metros, através de declives que represam a água durante o período
mais estival, o verão. A data que define o início da gestão organizacional por
parte destes consortes é o dia 24 de junho (dia de S. João) e termina no dia 29 de
setembro (dia de S. Miguel), data esta conhecida por todos os agricultores como
ano agrícola.
"Presa Grande" - à face da estrada
"Presa Média" - Rua Laurinda das Santas
"Presa Pequena" - terrenos particulares
No restante período, que envolve o outono, o
inverno e a primavera, e dada a existência de mais água nesses períodos, ela
flui ao longo da linha de água pelos canais existentes e por fontaneiros,
direccionados para os moinhos aí existentes (atualmente abandonados), conforme
referido na monografia. No intervalo de tempo que medeia de 30 de setembro a 23
de junho, e caso haja de necessidade de rega, a água fica destinada a 6 casas
ou quintas mais marcantes, de maior dimensão, do lugar da Gralheira.
No período de verão, as datas referidas atrás,
servem terras de antigas famílias dos lugares Sargeal e do Carvalho, proprietários
de terras que se situam vale entre o Sargeal e a Gralheira, assim como de parcelas
envolventes, de leiras, até ao lugar do Sabugueiro e que aí se ligará
graviticamente à linha do ribeiro principal que passa pela Igreja, conforme
descrito nos documentos supracitados.
O ribeiro mais relevante encontra a suas águas
principais, sob uma ponte, no lugar do Sargeal, em leito próprio. A sua origem
são as mesmas que as águas do regadio e vem ao longo dos variados declives
existentes até ao lugar do Sargeal e aí segue o canal natural da linha de água,
passando pela Ponte da Pedra, Igreja, recebendo outros cursos provenientes de
variados lugares da freguesia, até ao rio Sousa, junto à estação de Cete.
A água de regadio é escoada praticamente em toda a sua
totalidade pelos diversos consortes (6 casais) e de outras que no verão também
têm direito.
As quintas principais são conhecidas pelos nomes de
família ou lugares, que antigamente as distinguiam e bem conhecidas na terra e ainda
do conhecimento geral pela população local, são os casos da Quinta do Monte, a
casa do Sargeal, da do Carvalho, da casa da Pereira, da Quinta de Baixo, da
Carriça, do Portelo e a do Bento Portela, e demais parcelas também conhecidas,
como as Mouteiras, do Sabugueiro, e outras que se inseriam na grande área de
regadio que envolviam todas estas quintas.
livro de apontamentos de José Vicente da Silva
Os documentos apresentados foram disponibilizados graciosamente
por particulares, e que demonstram o que no ano de 1860 era a prática usual
naquele lugar.
Um dos documentos foi manuscrito pelo Sr. José
Vicente da Silva, proprietário (à época) de duas quintas parte do consorte, e
que num livro de apontamentos terá escrito a listagem da respectiva
distribuição, diária, que cada quinta ou parcela de terreno teria direito à sua
água. No mesmo livro, mais tarde voltou a descrever nova listagem, onde vem
mencionado ligeiras alterações, provavelmente por mudança de proprietários, ou
talvez, por cedências ou trocas que entre si se promoviam.
manuscrito "anos 50" de José Vicente da Silva
manuscrito "anos 70" de José Vicente da Silva
Outros documentos provem da mesma pessoa, caso do
Sr. António de Sousa, caseiro de uma das quintas e que para seu registo reuniu
dois documentos, um manuscrito e outro dactilografado, com o mesmo fim, embora
se apresentam incompletos.
documento dactilografado de António de Sousa
documento manuscrito de António de Sousa
O mesmo refere que as águas deveriam ser mudadas à
meia-noite e ao meio-dia, por parte de um representante do consorte a que
correspondia a sua água.
Já a limpeza dos fontaneiros e das presas eram
obrigatórias, com o risco de cada parte perder, nesse ano, o seu direito. Eram
feitas em comum. Cada quinta obrigava-se a representar com o número
proporcional de homens para a limpeza das presas e esta depuração das reservas
de água fazia-se sempre uns dias antes do dia 24 de junho, data de início dos
direitos à água, conforme se depreende pelas listagens e no mapa resumo
conjunto dos documentos.
moinho abandonado
fontaneiro