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29 de agosto de 2019

Sociedade do Calhau - Bonfim, Porto

Convite
retirado de O Tripeiro, n.º 6 - Vol. I (maio 1982)


Sociedade do Calhau (Provisório)
Bonfim – Porto

Os pressupostos e razões desta publicação:
O tema, embora não totalmente enquadrado com os propósitos deste blogue, levaram a 4 razões fundamentais que motivaram a apresentação da extinta associação nesta página.
1º - Sendo natural do Bonfim e a vivência da minha juventude próxima do local da sua sede, bem como da minha actual residência se encontrar adjacente à sede desta associação;
2º- Memórias retiradas de uma edição de um livro de família, cujas referências à Sociedade do Calhau me mereceu a maior das atenções;
3º- Recente contacto com vizinha e autora do mesmo tema, de um trabalho pessoal da Dr.ª Maria José Moutinho Santos, da qual recebi cópia de um documento, sobre o assunto em questão, editado em “O Tripeiro”, n.º6, volume I de 1982;
4º – Assunto praticamente desconhecido de todos e que merece ser deixada como memória futura, da sua existência;
Google Maps - localização na Rua do Bonfim - Porto

A sua história:
Felizmente esta narrativa chegou até a actualidade, através da memória obtida pela geração seguinte dos interlecutores da Sociedade do Calhau, isto é através dos seus filhos e que os então ainda vivos rondarão a idade entre os “setenta e oitenta”.
Filhos estes que guardaram nas suas lembranças as histórias contadas desta Sociedade, por seus pais, que foram elementos participativos nesta associação recreativa e que perdurou por um período aproximado de duas décadas de vivência.
Tudo terá começado nos inícios do séc. XX, em que a sociedade portuense se encontrava em evolução, colmatando a pobreza das actividades culturais e dum quotidiano pacato com a procura de alternativas através de associativismos por parte da gente local para combater o ócio e a pretexto de soluções por novas diversões.
O País atravessava um período de transição entre a Monarquia e a Republica, para esta gente comum e com a corrente republicana em curso, pelas notícias que eram divulgadas, permitiam-lhes tornarem-se diferentes e mais participativos.
Era o resultado de um quotidiano simples, e estas associações estavam centralizadas em áreas localizadas da cidade e organizadas em grupos de amigos.
À época, a sociedade masculina era bem vincada com a presença exclusiva de núcleos restritos para homens, e no Bonfim esta sociedade recreativa se centrava com Gente de certos bens, vizinhos e amigos, na sua maioria industriais, comerciantes ou com atividades cuja vivência lhes permitia o ócio, o recreio e o lazer.
Esta história que iremos descrever servirá de memória futura da vivência nos inícios do século, para a cidade do Porto e directamente para a freguesia do Bonfim, pois foi na rua com mesmo nome em que tudo terá começado.
Antes da sua verdadeira fundação era intitulada de “Grupo do Calhau Provisório” e pouco depois, em Novembro de 1901, foi fundada como “Sociedade do Calhau” com sede na Rua do Bonfim, localizada nas traseiras do rés-do-chão do nº. 194/196, edifício este que ainda hoje existe, mas transformada em habitação moderna, como muitas outras requalificações de que a cidade do Porto se vê transformada neste séc. XXI.
Este espaço estava associado a uma carpintaria cuja personagem era proprietário, José Maria Ferreira, pessoa de grande dinâmica e o grande impulsionador desta agremiação.
Mas tudo terá começado numa sala das traseiras da mercearia de José Alves Leite, do nº. 216, onde se reuniam os seus fundadores e tinham o costume, ao serão, de se encontrarem e ficarem em amena cavaqueira a jogar cartas, conversar e jogar o “Solo”.
foto de José Maria no seu aniversário, em 1910
retirado do livro de família "Origens"

Esta constância diária e a falta de diversão terá sido o motivo de terem despoletado a criação de uma associação e por sua vez terem incumbido o José Maria à compilação das regras da fundação da sociedade e, ao qual numa das sessões terá dito “vamos então assentar o primeiro calhau no alicerce da nossa Sociedade!”.
Terá sido provavelmente com esta frase que o nome da sociedade se denominou passando a designar-se “Sociedade do Calhau” e que a partir da sua constituição cada sócio terá passado a usar na sua lapela um simbólico e pequeno “calhau” engenhosamente suspenso de uma rede feita em croché.
Mais tarde este símbolo seria substituído por um mero cartão de identidade tornando mais opaca a sua identidade.

(…) Feitos estes estatutos, criado um hino, organizadas as cerimónias de inauguração, das quais constava um baile de máscaras que obteve um enorme sucesso, começaram as actividades ordinárias.
Diariamente, ao serão, juntavam-se os sócios para a habitual conversa e para a partidinha de cartas. Os ganhos à mesa do jogo eram destinados a um fundo comum, utilizado para custear saborosas ceias, (confeccionadas divinamente pela mulher do dito José Maria) e piqueniques em certos domingos, a Valongo e a Gondomar.
Os saraus dramático-musicais, de que se destacavam os de sábado de Aleluia, em que participavam sócios, familiares e amigos, constituíam os pontos altos das realizações culturais.
Por várias vezes também, foram feitas homenagens a grandes figuras do tempo, como, por exemplo, Guerra Junqueiro e Duarte Leite. (…)
foto de conjunto - retirado do livro de família "Origens"

Para além destas actividades mais abertas à comunidade a sociedade contemplava muitas outras acções com espírito de lazer, de recreio e muitas vezes de diversão.
Um destes exemplos proveio da imaginação de José Maria, derivada da sua arte de carpintaria e da utilização da sua maquinaria em que terá inventado uma pequena caixa de “fazer dinheiro”.
Era uma caixa em madeira constituída por dois cilindros, que por um processo primitivo mas engenhoso permitia inserir-se papel branco, com o tamanho de uma nota, e fazer sair por outra ranhura, notas verdadeiras que já lá dentro se encontravam reservadas.
Ora, com este mecanismo os elementos da sociedade saiam pela cidade do Porto a apresentarem a sua máquina de “multibanco” que causavam espanto, duvidas e inveja.
Tendo em conta que um dos sócios trabalhava num banco, permitia-lhes com que as notas que saiam desse mecanismo se tornavam novinhas e perfeitas, demonstrativas da sua veracidade, que por vezes nos seus eventos ao accionarem a demonstração da sua invenção para providenciarem o dinheiro para efeitos de pagamentos, ora, demonstravam a desconfiança e a relutância na recepção por parte dos revisores dos transportes públicos e lojistas causando dúvidas da sua autenticidade.
Esta pequena máquina teve como principio apenas a diversão para brincadeiras entre os amigos através destes pequenos actos. Porém, a novidade, a curiosidade e o êxito alcançado fez daquela máquina de dinheiro o “centro de uma prodigiosa encenação”. A finalidade era em atrair indivíduos ambiciosos, lorpas e sem escrúpulos para enriquecimento pessoal, de forma fácil e rápida.
Este “isco” de atracção de riqueza foi concebida com o auxílio dos sócios e alguns amigos, que por parte de Zé Maria montou um esquema imaginativo e que a Sociedade do Calhau promoveria na conquista de candidatos à fortuna, através da realização de eventos na sua agremiação com actividades “secretas”, como de uma poderosa “rede” oculta existisse e cuja encenação servia de pretexto a brincadeiras entre amigos e por estranhos ávidos de fortuna, que por vezes se estendiam ao estrangeiro.
Estas personagens eram, em regra, angariadas pelos sócios, amigos ou familiares que se faziam como assunto de partida e como forma de aproximação, através de pedidos de empréstimo ou em desabafo de ambição de dinheiro, sendo numa primeira fase analisado o seu grau de aspiração e ambição ou de lorpice que permitisse a convocatória de um evento por parte da associação.
Com o desenrolar do estudo de cada personagem era-lhes permitido verificar se reuniam as condições necessárias, como suficientemente ambicioso ou suficientemente parvo, para o preparar e de modo cuidado, com a insinuação de possibilidade de conseguir o dinheiro pretendido de forma a serem criadas as expectativas da realização do seu sonho de grandeza promovendo a encenação necessária para esse efeito.
Dos relatos ocorridos fazem referências a 51 pretendentes à fortuna e que culminaram em processos com sessões nocturnas no edifício traseiro da Rua do Bonfim e sede da Sociedade.
Estas sessões, de autênticas encenações, traziam ao Porto propositadamente, amigos e familiares dos sócios e de figuras de maior relevância, tais como de um governador civil. É narrado que esteve prevista uma figura de grande relevo político da época em uma das sessões mas que não terá ocorrido.
Pode-se concluir que ao longo da sua existência, a associação deparou-se com todo o tipo de indivíduos desejosos de riqueza, desde o simples humano que a todo o custo pretendia a melhoria da sua condição de vida, como por comerciantes e homens de negócios desejosos de aumento do seu poder económico, passando por pessoas endividadas e estudantes sem vintém.
Escolhido o candidato, era-lhe revelada a existência de uma “Sociedade Secreta” com fins de ajuda humanitária para homens com coragem e ambição e que para obter essa ajuda bastaria cair nas boas graças do Barão, o presidente dessa sociedade.
Para tudo isto se processar bastaria uma “carta de recomendação” de um dos seus melhores amigos ao que este candidato se tornaria intitulado “Porta”, designação retirada da expressão popular “Burro como uma porta” e que quantas mais cartas de recomendações arranjasse mais influência tinha em todo o processo.

(…) Naturalmente que o “peixe” era encarecido, regateado, mas a pretensão, obviamente, era sempre aceite, acordando-se de imediato com ele a prova de avaliação da qualidade do candidato a iniciado. Estavam em voga as sociedades iniciáticas, como a Maçonaria e era evidente que uma tal “sociedade” e “com tal poder”, não podia ser aberta a qualquer um. Depois de uma pretensa conferência com o secretário da sociedade, Zé Maria, ficava marcada, em definitivo, a iniciação para dali a uma semana.
Suponho que foi na sequência do primeiro destes “voluntariosos associáveis” que germinou a ideia do “décor” que se desenvolveu em casa do Sr. Zé Maria. O terreno das traseiras da sua casa desenvolvia-se em dois socalcos, um ao nível do rés-do-chão e outro, mais recuado, ao nível do primeiro piso. A conformação do terreno nas traseiras permitiu uma utilização adequada aos objectivos do “Grupo do Calhau”. No espaço do quintal, existia um barracão que foi transformado pelo Zé Maria para os desígnios da Sociedade.
Do longo corredor, já anteriormente referido, acedia-se ao local secreto da iniciação. Desembocava-se num sala em que a parede do fundo era preenchida por um pequeno palco, adequado à dimensão do espaço disponível. À semelhança de qualquer teatro, o palco tinha cortinas e um fosso sob o estrado, para onde se entrava por uma pequena e estreita porta lateral. Tudo com muito pouca ou nenhuma luz natural e, à noite, iluminado apenas pela chamas bruxuleantes de algumas velas, que a luz eléctrica só veio mais tarde.
O mestre carpinteiro era um verdadeiro artista e, com a sua extraordinária habilidade manual, construiu um esqueleto em peças de madeira, que para o tipo de material e para a época, era muito real. Engenhosamente articulou-o com pequenas ligações em arame, de tal modo que, se suspenso pelos ossos dos ombros e da cabeça, à semelhança das marionetes, podia mexer-se todo, quando convenientemente manipulado por intermédio das linhas pretas, que lhe estavam ligadas. Paralelamente e aproveitando uma raiz de figueira, com um feitio vagamente parecido com uma caveira, o Zé Maria, melhorou-lhe as semelhanças, deu-lhe uns toques de formão e transformou-a no “Cranéu do nobre ancião fundador da Sociedade”, objecto que foi “dramaticamente” enquadrado num armário de vidro, tipo santuário e que passou a ser objecto de “culto obrigatório” dentro da sociedade.
Conhecida uma data e havendo um candidato, desenvolvia-se uma preparação frenética da recepção ao futuro “iniciado”, o “Porta”. Pendurava-se o esqueleto no palco, levava-se cal e terra para o fosso do palco, colocavam-se as velas de modo estrategicamente calculado e preparava-se “o pacote do Porta” – um significativo volume devidamente atado e lacrado, etc..
No dia estipulado, sempre a um sábado, era colocado, na porta de entrada do edifício, um letreiro anunciando: “Hoje há Porta!” Já muito antes da hora marcada, propositadamente nocturna, os “Calhaus”, posicionados no local do encontro, no terreiro do actual Campo 24 de Agosto, cavaqueavam em pequenos grupos, convenientemente dissimulados entre a vegetação aí existente, aguardando a chegada do “Porta” que, de modo invariável, chegava com grande antecipação e denotando compreensível nervosismo.
Faziam-no sofrer de modo penoso, atrasando a chegada do emissário dos “Calhaus”, enquanto se deleitavam a vê-lo, muito oprimido, esfregando as mãos, desesperado, passeando-se, nervosamente, dum lado para o outro. Os espectadores regalavam-se com a cena e com a antecipação da barrigada de gozo que iriam desfrutar. Por fim, “condoídos” com o sofrimento do “infeliz”, lá aparecia o emissário, devidamente encapotado, chapéu puxado para os olhos, gola de pesado capote bem levantada, enfim um verdadeiro conspirador! A cara do paciente mudava radicalmente. Apesar de assumir um ar conspirativo, um sorriso rasgava-lhe a face de lado a lado.
- “Disfarce homem! Disfarce! Ninguém nos pode ver aqui e muito menos juntos”, dizia-lhe o emissário.
- Tá bem, Tá bem! O que devo fazer?
- Você vem atrás de mim, distanciado uns bons 50 metros, mas sempre atento àquilo que eu faço e, o que eu fizer, você imita imediatamente. Não podemos levantar suspeitas”.
- Teja descansado que eu faço tudo o que o senhor quiser!
- Na porta onde eu entrar, você espera uns minutos e depois bate o toque secreto – três toques rápidos, seguidos de dois toques bem separados, mas isto baixinho e, finalmente, uma só pancada bem forte. Entendeu?
- Sim senhor, eu assim faço!
Começava uma caminhada nocturna, verdadeira odisseia ao longo de cerca de 300 metros, subindo a Rua do Bonfim, recheada de pequenas peripécias. Sempre que aparecia alguém e muitas vezes eram outros “Calhaus”, o emissário escondia-se, cozendo-se com as sombras dos umbrais das portas, atravessando e reatravessando a rua, vezes sem conta. É óbvio que o candidato a iniciado, o “Porta”, fazia exactamente o mesmo, perante o gáudio do grupo que, convenientemente afastado, ia observando toda a cena.
Depois de um trajecto muito “dissimulado” e “sofrido “e, o emissário fazia a batida secreta, a porta abria-se e ele desaparecia no interior da casa.
Cá fora, o “Porta”, olhava nervosamente à sua volta, a ver se alguém tinha reparado nele, mas, naquele tempo, à noite, com ruas muito escuras apenas iluminadas pela fraca luz dos raros candeeiros a gás, pouca gente passaria àquela hora, a não ser os próprios “Calhaus”.
Enquanto o paciente esperava no exterior, lá dentro desencadeava-se uma intensa actividade. O operador do esqueleto que não era outro senão o jovem Ruy Marcelino, ia para o fosso do palco. Um dos “Calhaus” fundadores da Sociedade e seu Presidente Honorário, Alfredo da Silva Coutinho, conhecido entre os seus congéneres pelo Barão do Calvário, ia também com ele meter-se lá debaixo e os outros colocavam-se em posições estratégicas, preparando-se para receber o visitante.

Alfredo da Silva Coutinho - foto retirada do livro de família "Origem"

Finalmente, no batente da casa do Zé Maria carpinteiro, ressoavam as pancadas do código. O emissário encapotado abria então uma nesga da entrada e o nosso “Porta”, candidato a milionário, por lá se esgueirava, entrando tão dissimuladamente quanto se possa imaginar nestas rocambolescas circunstâncias. Percorriam então o grande corredor, apenas iluminado pela nesga de luz das velas, que se escoava por baixo da porta que, lá no fundo, barrava o acesso à divisão seguinte – a sala da cerimónia.
A entrada na sala era tão conspícua como toda as cenas anteriores. Lá dentro, todos os presentes estavam encapuçados com máscaras feitas de cartuchos horrorosamente pintados e, sempre em ambiente de grande mistério e pouca luminosidade. Para dissimular o riso que irrompia em quase todos os presentes, era constantemente sussurrado ao ouvido do Porta:
- Disfarce, homem, disfarce!
E o desgraçado fazia como podia para disfarçar o que ele nem sabia quê, nem como.
Entretanto, o número dos presentes ia engrossando com a chegada dos restantes membros que, no exterior, tinham estado a gozar o espectáculo da viagem e, ao entrar, todos iam repetindo o toque da batida secreta.
E o tempo ia passando, demasiado lentamente para a ânsia do candidato a iniciado. Sobre o palco, uma mesa na qual se sentavam as duas únicas pessoas de cara descoberta. Um era o secretário (o Zé Maria) e um outro, o tesoureiro da sociedade secreta. Ao centro da mesa, uma terceira cadeira de espaldar elevado, permanecia vazia. Um autêntico palio de igreja, suportado por seis membros encapuzados que denotavam expectativas, premonizava a chegada de algo muito solene.
- E quando começa a cerimónia? Então estamos à espera de quê? 
- Tenha calma homem, Tenha calma! Estamos à espera da chegada do Grão-mestre da nossa irmandade, o Venerável Barão do Calvário. Ele vem de muito, muito longe, por uns subterrâneos que passam por baixo do rio Douro e atravessam a cidade até aqui. Não é por acaso que estamos nesta casa. Tenha paciência que vai tudo correr bem. Mas pela sua saúde homem, disfarce, disfarce!
O pobre “Porta” imitava os seus circundantes que, de gola levantada e cara tapada por um cartucho, passeavam desordenadamente à sua volta. Com frequência chegava-se um deles junto do paciente e, propositadamente, largava um sonoro traque que deixava o homem assarapantado, enquanto o guia lhe dizia:
- Não estranhe, não estranhe, isto é só para disfarçar por causa dos vizinhos...
- Então e quando começa isto?
- Tenha calma… tenha calma!
E toda a gente consultava os seus relógios de bolso, como que preocupados com o atraso do Grão-mestre, sussurrando e murmurando audíveis comentários entre eles.
Subitamente ouvia-se uns ruídos por baixo do palco e toda a gente ficava especada à espera de ouvir mais.
- Ele já vem aí! Ele já está a chegar!
Então os seis membros que suportavam o palio, chegavam-se até junto da pequena porta lateral do palco. Esta abria-se e, finalmente, de lá saía um cavalheiro, muito bem vestido, de capa preta com estola, casaca, cartola, luvas brancas e bengala de caçonete de prata, que não era outra pessoa se não o próprio, o ansiado, o estimado, o inestimável, o venerável, o insubstituível, Barão do Calvário (Alfredo da Silva Coutinho), mui digno Grão-mestre da irmandade do “Grupo do Calhau Provisório”. 
Sob o palio, começava de imediato um beija-mão que todos gostosamente executavam. E perguntava o Barão:
- Então e porque é que me “fizésteis” vir aqui de tão longe, sofrendo os horrores destes subterrâneos pestilentos, cheios de ratos e humidade! Há mais de duas horas que caminho. A parte do túnel debaixo do rio Douro está toda alagada… As velas apagaram-se tantas vezes que acabei por gastar os fósforos e tive de caminhar às escuras. Por mais de meia hora andei às apalpadelas para chegar cá! Enfim, uma grande maçada.
Enquanto falava, ia sacudindo dos ombros e das mangas, cuidadosamente, usando as luvas brancas como se de escova se tratasse, o pó da cal e a terra com que se tinha sujado propositadamente debaixo do palco. E o Zé Maria, sempre ele:
- Saiba Vossa Senhoria, Venerável Grão-Mestre, que temos aqui um eventual novo membro da nossa irmandade, um verdadeiro “Porta”!
- O quê? E “achaindes” que ele reúne as condições para a total devoção à nossa causa?
- Já o avisamos dos sacrifícios, da dedicação, do secretismo, da total devoção e das provas que tem de prestar para ser iniciado no nosso meio!
- E já avaliaram da sua família, das suas origens, do seu estofo moral e do merecimento eventual de tal benesse?
- Sim Venerável Grão-mestre. Foi feita, por membros da nossa irmandade, uma investigação aturada sobre o pretendente.
Perante a revelação de uma investigação familiar, o tal candidato tremia como varas verdes.
- E a que conclusão “chegásteis” vós?
Saiba Vossa Senhoria, Venerável Grão-Mestre, que o pretendente apresenta grandes insuficiências como candidato, mas o Conselho da Irmandade, reunido secretamente em plenário e neste local, antes de ontem, concluiu que, se ele responder adequadamente a todas as provas da iniciação, poderá ser acolhido do nosso seio.
- Pois se assim o “achásteis” vós, que seja iniciada a cerimónia.
Iniciava-se então uma sessão de “espiritismo” para verificação da “aura” do “Porta”, durante a qual ele tinha de dançar, imitando os movimentos do esqueleto, supostamente movimentado pelo espírito de um dos antepassados do grupo. A música de acompanhamento da dança, cantada pelos presentes, era a muito conhecida:
“Ora ponha aqui, ora ponha aqui o seu pezinho/ ora ponha aqui, ora ponha aqui ao pé do meu/ e ao poisar e ao poisar o seu pezinho/ e um beijinho e um beijinho lhe dou eu….”
Debaixo do palco, iam puxando as linhas pretas conforme lhe desse na gana, e o mais possível de acordo com a música, enquanto o “Porta” fazia os movimentos mais desesperados para imitar o movimento do “além”, perante as risadas desenfreadas dos presentes. E o Barão descontraía a sessão com uns “Riainde-vos” seguido de um tonitruante “Calainde-vos”. Um fartote de gozo!
O próprio Barão tinha a deferência de informar o “Porta” que tudo aquilo era para que os vizinhos não desconfiassem do que ali se passava.
Acabada a sessão de espiritismo, o Sr. Barão dirigia-se para a mesa, sobre palco, nela se sentando na presidência, devidamente acolitado pelo secretário e tesoureiro da organização.
Começava então a suposta leitura da correspondência recebida desde a última sessão, em que, Zé Maria, de improviso e perante umas folhas de papel em branco, ia discorrendo, com espantosa verborreia, cheia de graça natural, um conjunto de agradecimentos, pedidos, notícias e outros eventos considerados oportunos, que a sua extraordinária capacidade criativa ia ditando. Os assuntos eram sempre relacionados com necessidades de dinheiro. A cena e os disparates faziam fungar de riso todos os membros da assembleia, e então, para descontrair a sessão, comandava o Barão de novo:
- “Riainde-vos” e, após a descarga de riso, outro tonitruante “Calainde-vos”.
Por vezes o Sr. Barão, perante um pedido de dinheiro de pequena monta, exagerava e dizia para o secretário.
- Carregue nisso homem, carregue nisso. Dê-lhe três contos!
Perante as risadas gerais, o acompanhante do futuro “acólito” ia-lhe sempre sussurrando ao ouvido:
- Não estranhe homem, não estranhe que as risadas são só para disfarçar, por causa dos vizinhos.
Terminado o despacho burocrático, iniciava-se a procissão cerimonial. O Barão do Calvário colocava-se debaixo do palio suportado pelos seis confrades encartuchados, e todo o grupo, em procissão ritual, com o “Porta” atrás e o Zé Maria à frente agitando o turíbulo do incenso, rodava em sucessivas voltas, em torno daquela sala, enquanto todos os presentes entoavam uma lamuriosa cantilena que dizia:
- O culpado é o “Porta”!
Durante toda esta procissão, o macabro esqueleto, bem accionado pelo seu jovem manipulador, desempenhava um papel fundamental de pressão psicológica sobre a iniciação do “Porta”. O movimento à luz das velas, daquele tétrico espólio, deveria constituir algo de verdadeiramente aterrador para o candidato a iniciado.
- É chegada a altura de venerarmos o nosso fundador. Tragam o “Cranéu do nosso nobre ancião progenitor - comandava o Barão.
Com uma postura extremamente preparada, estudada e beatífica, o Zé Maria, removia o “Cranéu” do santuário em que estava em exposição. A “caveira” havia sido, previamente, besuntada com uma ligeira camada de um produto humano de cor castanha, de consistência pastosa, de odor penetrante e desagradável e de expelição obrigatória, normalmente quotidiana.
A procissão terminava junto a uma espécie de altar onde o “Cranéu do nobre ancião fundador” era depositado, com todas as honras.
- Leia-se a "Oração de Sapiência".
No mais profundo e reverente silêncio dos presentes, o Zé Maria lia uma oração, por si concebida e redigida, um verdadeiro monumento ao gongorismo “verborreico”, repleta de palavras inexistentes mas extremamente sonoras e redundantemente extravagantes. (…)
Acabada a oração de sapiência processava-se, formalmente, a iniciação do candidato.
- Proceda-se à vassalagem ao “Cranéu”, tornava o barão.
E o “Mestre-de-cerimónias”, que não era outro senão o mirabolante e engenhoso Zé Maria, de costas para o “Porta”, ajoelhava e simulava um beijo no escultórico artefacto. E, virando-se, orientava o “iniciado”:
- “Porta”, ajoelhe! Beije o “Cranéu nobilíssimo”.
Ele assim o fazia, enquanto o “Mestre-de-cerimónias” e os restantes “Calhaus” verificavam, perdidos de riso, se ele tocava ou não os lábios em tão “sagrado” “ícone”. Com repugnância, mas sem hesitações, o “Porta” beijava mesmo tal objecto de culto, pois que a tanto o obrigava a ganância do futuro risonho. O secretário, prontamente, entregava-lhe um lenço e dizia-lhe:
- “Alimpe-se” .
Iniciava-se um interrogatório feroz e ridículo, com perguntas às quais não era dado tempo de resposta, sendo estas, pelo contrário, respondidas de imediato com disparates saídos da fértil imaginação de Zé Maria e que faziam escangalhar a rir a “nobel” assembleia:
- O “Porta” sabe quem era Maria Antonietta? E perante a indecisão o Zé Maria completava:
- Era uma mulher que andava pelas ruas de Paris a tocar trombeta!
Finalmente a prova decisiva. O “Porta” era posto perante o dilema de as suas raízes familiares terem sido consideradas de qualidade inaceitável pelos “irmãos”. Era-lhe então perguntado se ainda estava disposto a entrar, de facto, para a Sociedade Iniciática do Calhau Provisório.
- Sim! respondia ele de imediato e sem hesitações
- Mas isso passa pela eliminação de certos aspectos familiares que foram considerados contrários à dignidade, ao secretismo e aos objectivos da nossa Sociedade - afirmava-lhe o “Mestre-de-cerimónias”, irmão Zé Maria,. Teria que acabar com esses laços, de maneira definitiva e de modo radical. Só assim haveria a possibilidade de isso não vir a afectar a pureza da irmandade.
- Sim!, respondida sem hesitar o “Porta”
O tom das perguntas e das tarefas a desempenhar, iam subindo de exigência e dramatismo, ao sabor do extraordinário espírito inventivo e do improviso do Zé Maria, o que deixava todos ao “calhaus” completamente desaustinados de riso, mas o “Grão-mestre”, sempre oportuno, acrescentava:
- Olhe, não ligue aos risos que isto é só para disfarçar, para os vizinhos não saberem o que aqui se passa!
De chofre, o Secretário perguntava ao “Porta”:
- Estás disposto a entrar mesmo que tenhas de matar alguém?
- Sim, respondia(m todos) sem hesitações.
- Pois fique sabendo que a sua mãe não tem condições para que possa aceder a esta Sociedade. Tem de ser eliminada!
Que sim! Que estava disposto a tudo para pertencer a semelhante irmandade, respondiam invariavelmente todos os “Portas” que por lá passaram, baixando ao máximo da degradação humana, pela ganância do dinheiro fácil e abundante.
Atingia-se o paroxismo quando lhe era proposta que, para não despertar suspeitas, fosse ele o executor da própria mãe, embora utilizando meios e condições facilitados pelos “Calhaus”. A tudo se sujeitava o ganancioso, completamente vendido à ideia do dinheiro da caixa de madeira.
Os pormenores do assassínio eram então combinados e acordado o dia e o modo. Todos os que por lá passaram e foram muitos, aceitavam o crime sem pestanejar, convictos que ficariam impunes, cobertos pela capacidade de realização e pelo poder, da irmandade e do dinheiro.
Era esta a mais terrível prova porque passava o candidato, e também a última, no final da qual, era lida de novo a oração de sapiência.
Terminada a oração, agora de homenagem ao “iniciado”, o candidato era considerado membro do grupo e formalmente empossado, recebendo, de joelhos, como mandavam as regras da cavalaria, primeiro as insígnias da irmandade — um pequenino calhau envolvido numa malha de fios (para pendurar na lapela) e, por último, o mais desejado presente e a razão de todo aquele processo: Um pequeno, mas pesado embrulho, lacrado e bem recheado. E era enviado de volta ao quotidiano.
Recomendava-se-lhe, expressamente, que disfarçasse e não abrisse o pacote senão no dia seguinte e já em casa, quando estivesse em segurança, para ninguém ver ou desconfiar. No caminho de regresso, para manter o secretismo de tal sociedade, e uma vez que ele já pertencia à irmandade, tinha de repetir, agora sozinho, as precauções tomadas na chegada. Avisavam-no ainda que, depois de sair, na rua, não devia olhar para trás.
Ele lá ia. Alguns momentos após a sua saída, os “Calhaus” presentes, seguiam-no dissimuladamente.
Estugando o passo, o “Porta” ansiava chegar rapidamente ao fim da Rua do Bonfim e, nessa altura, depois de olhar atentamente à sua volta, sem avistar ninguém (porque não há maior cego do que aquele que não quer ver) junto ao primeiro candeeiro a gás, abria precipitadamente o embrulho. Lá dentro encontrava uma carta e uma caixa de cartão, onde, bem almofadados por algodão, encontrava uma quantidade de pequenos calhaus. Genericamente, a carta era uma grande lição de moral, um verdadeiro libelo acusatório à sua falta de dignidade e à sua imensa ganância — que o tornava capaz de admitir assassinar a própria mãe. Na carta chamava-lhe pessoa sem escrúpulos e outros epítetos semelhantes, explicavam-lhe que tudo não passara de um logro, em que ele apenas caíra devido à sua desmedida ambição e à sua falta de honra e de princípios. Terminava de modo sentencial, afirmando que “só o trabalho é digno e que apenas dele pode advir o dinheiro!”
A frustração de todos os que foram submetidos a tal “tratamento” era tremenda e, a sua primeira reacção, era voltar lá atrás, à casa onde havia entrado, mas, após reconsiderarem algum tempo, provavelmente por vergonha ou por considerarem que aquilo apenas constituía mais uma prova que era forçoso passar, demandavam a sua habitação.
Acabavam quase todos por lá voltar mais tarde, encontrando o Sr. José Maria na sua carpintaria e ao reconhecerem-no, pediam-lhe encarecidamente que, de facto, os deixassem entrar, na tal irmandade. A estes era muito difícil retirar-lhes tal ideia da cabeça.
Com o desenvolvimento da experiência das sessões extraordinárias e até para evitar que os “Portas” reconhecessem o local da cerimónia, incomodando o Zé Maria, os sócios passaram a recolhê-los de automóvel, no Campo 24 de Agosto e mascarados, vendavam-lhe os olhos e obrigavam a viatura a dar várias voltas ao jardim, para simularem percorrer uma grande distância. Na saída repetia-se o processo inverso, sempre de olhos vendados.
Estas cerimónias “iniciáticas” deveriam ter tanta graça, que havia um juiz do Supremo Tribunal em Lisboa, que, se avisado antecipadamente, vinha de comboio, propositadamente, para a elas assistir. Também um Governador Civil do Porto esteve presente, pelo menos uma vez, numa dessas sessões. (…)”

A partir de 1916 a Sociedade começou a ressentir-se com o desaparecimento e afastamento de alguns dos seus membros, devido a doenças e falecimentos, embora com a força de José Maria se tentasse manter pelo seu voluntarismo e orientação à frente desta instituição.
Esta força de vontade e trabalho ainda se incentivaram através de actividades e espectáculos de teatro, de música e actos recitativos.
O cartão de identidade veio a substituir o anterior símbolo original dependurados na lapela e as sessões mais relevantes do “Porta” continuaram com o mesmo protagonismo, interesse e curiosidade das pessoas que buscavam um lugar nas sessões da Sociedade, logo que a notícia era divulgada.
Cartão de sócio
retirado da revista O Tripeiro, n.º 6 - Vol. I (maio 1982)

Finalmente em 1922 acabou por se extinguir a sociedade, ora por mudanças de vida e de novas responsabilidades de alguns ora pelo surgimento de uma outra sociedade, na Lomba, cujo teor e a má reputação terá deixado marcas negativas naquela época.
Estas associações, como muitas outras agremiações levaram à época, contributos sociais, culturais e atividades, pelos diversos locais da cidade de modo a se proporcionarem contactos e laços de amizade pela comunidade.
A quem ler esta divulgação e conheça mais histórias desta associação agradeço a sua divulgação.
Grato


Informação retirada de:
- O Tripeiro, nº. 6, Volume I (maio de 1982)
- livro de família "Origens - Pesquisa em torno de uma grande família"

Mais informações encontradas em O Tripeiro (não lidas)
- Sociedade do Calhau Provisório - Série I / Ano II / pág. 181 - 233
- Sociedade do Calhau Provisório - Série V / Ano IV / pág. 264 - 288
- Sociedade do Calhau Provisório - Série V / Ano XV / pág. 128
- Calau - Série I / Ano II / pág. 81


15 de agosto de 2019

Brasão do Conde da Trindade - Porto


O Palacete dos Viscondes de Balsemão é um edifício histórico localizado na Praça de Carlos Alberto mandado construir em meados do século XVIII pelo fidalgo José Alvo Brandão Coutinho Perestelo Pereira de Azevedo, senhor da Quinta da Revolta, em Campanhã.

Esta casa entra no património da família Balsemão, aquando do casamento de D. Maria Rosa Alvo com seu primo Luís Máximo Alfredo Pinto de Sousa Coutinho, 2.º Visconde de Balsemão.
Na década de 1840, António Bernardino Peixe alugou o palacete, transferindo a hospedaria que tinha na Rua do Bonjardim para este local, ficando conhecida pela “Hospedaria do Peixe”.
O que celebrizou esta hospedaria foi a estadia, entre 19 e 27 de abril de 1849, do exilado rei Carlos Alberto da Sardenha, rei de Piemonte e da Sardenha, depois da derrota da batalha de Novara, enquanto esperava pela preparação da casa da Quinta da Macieirinha, onde viria a falecer em 28 de julho do mesmo ano.
Em 1854, o palacete foi adquirido pelo 1Visconde da Trindade (10/11/1852), José António de Sousa Bastos, grande proprietário e capitalista, que introduziu profundas alterações no edifício tendo colocado o brasão na fachada e enriquecido os salões, ao gosto da época, vindo a casa a atingir o maior esplendor que se lhe conhece.
Visconde da Trindade (tela), Wikipédia
Ainda em vida foi-lhe concedido o título de Conde (22/dez/1881), e já após sua morte e ter sido enterrado em jazigo da cidade e posteriormente na posse de sua viúva, em 1895, o imóvel passou para sua filha D. Josefina Henriqueta Sousa Bastos.
O edifício a partir de 1907 e ao longo do tempo, teve uma utilização muito diversificada tal como: pensão, café, serviços municipais de electricidade e actualmente pertence à Câmara Municipal, como dependência do Departamento da Cultura.

A pedra de armas admirável e bem trabalhada em mármore, inspirada na escola inglesa, não pela linha de escudo que é francesa, mas pelo arranjo quanto aos suportes e colocação das insígnias, é decorada de motivos zoomórficos, suportes (unicórnio e um dragão) e de três insígnias suspensas simetricamente.
Armas do Visconde da Trindade, Wikipédia

Descrição da Pedra de Armas: 

Brasão:         Sousa
Material:      Mármore
Época:          Contemporânea / Séc. XIX
Estilo/Escola:    Eclético / desconhecida
Família:         Palácio do Balsemão ou dos Condes da Trindade
Construção:     Edifício de 2 pisos, com torreão lateral
Localização:    Praça Carlos Alberto
Freguesia:       Vitória
Descrição:       Encontra-se aplicada no topo do prédio
Classificação:   Heráldica de Família
Escudo:       Francês ou quadrado
Formato:      Pleno ou simples
Leitura:         I– Sousa (do Prado)
Timbre:    de Sousa, (o leão do escudo, coroado de uma grinalda de prata,              florida de verde;
Coronel:      de Conde
Cores:        I e IV – de Portugal-antigo
                 II e III – de prata com um leão de púrpura
Suportes:      com dois animais, um dragão e um unicórnio em cada lado
Diferença:       um besante de… numa brica de….  
Insígnias:       Ordem militar da Torre e Espada, Ordem Militar de Cristo e grã-cruz da Real Ordem Americana de Isabel a Católica, de Espanha


26 de junho de 2019

Brasão dos "Moreira Couto" - Porto




Foto pessoal - vista da pedra de armas

Pequena informação:
Mandada erigir, possivelmente, pelo Dr. Bartolomeu Moreira Couto, advogado da Relação do Porto e oficial do Santo Ofício, que em 1739 desposou Dona Antónia Josefa Caetana de Oliveira Pinto, na Quinta do Outeiro, de Fonte Arcada.
Todo o seu aspecto, genuinamente portuense, nos faz lembrar esses livros que nos recordam esse culto que havia pelo lar, descritas por Camilo Castelo Branco e Arnaldo Gama, onde se narra o retrato típico de certas casas do velho burgo, no qual se incluía a Casa dos Moreiras.
Maior é sem duvida o seu significado, quando animados por uma pedra de armas, com os apelidos dos Moreiras e dos Coutos, alteada no seu cunhal e duma aproximação demasiada do beiral da casa, a qual ornada profusamente por volutas, conchas e festões evidencia o "barroquismo" da época de D. João V, sendo um óptimo documento histórico da cidade.
Situa-se no cunhal do prédio virada para a igreja do Carmo, no gaveto da Praça Gomes Teixeira com a Praça de Carlos Alberto, nº. 128.

Foto pessoal - vista da pedra de armas

Descrição da Pedra:
Classificação:    Heráldica de Família
Época:              Séc. XVIII
Escudo:             de fantasia
Material:           Granito
Formato:           Partido
Leitura:             I - Moreira
                         II - Couto (de Benambar)
Timbre:           de Moreira (um lobo de vermelho, sainte, com um escudete de armas ao peito);
Elomo:              de perfil, sem paquife;
Ornatos:           do estilo da época, ostenta dois fartos festões de flores e folhagens, vistosos e típicos, com aparatoso exemplar de pedra armoriada;
Cores:              I, de vermelho, com nove escudetes de prata, cada escudete carregado de uma cruz flordelizada de verde;
                     II - de vermelho, com um castelo de prata, lavrado de de negro, aberto e iluminado de verde, sobre um rio de prata ondado de três peças de azul;


Texto retirado de:

Brasões e Pedra de armas, de Manuel Cunha
Pedras de Armas do Porto, de Armando Mattos




19 de maio de 2019

Brasão dos "Bravo e Ferraz", Porto

Foto pessoal - vista da pedra de armas

História:
A casa dos Ferraz Bravo está classificada como Imóvel de Interesse Público e é igualmente conhecida por Casa dos Maias - nome da ultima família que a habitou.
Esta casa apalaçada foi construída ainda no século XVI, pelo fidalgo Martim Ferraz, descendente de uma família nobre do Entre Douro e Minho. Situa-se na Rua de Santa Catarina das Flores, topónimo da artéria manuelina depois simplificada para Rua das Flores, onde até então estavam as hortas do Bispo do Porto de então: Bispo D. Pedro da Costa.

Fotos pessoal - símbolo da Roda da Navalha

Este bispo tinha tanta devoção por Santa Catarina de Alexandria, que fizera adoptar a Roda das Navalhas como seu brasão de armas, copiando de seu tio Cardeal Alpedrinha, e nomear a rua como rua de Santa Catarina das Flores, tendo a sua marca nos dois cunhais do edifício.
Esta rua seria uma das principais vias da cidade, onde se edificaram muitas moradias senhoriais. Os Ferrazes e Bravo, por consórcio da família Ferraz com o então fidalgo Manuel Bravo, foram proprietários da casa até ao século XVIII, com a morte do ultimo elemento da familia, Pedro Ferraz de Melo, casado, mas sem descendência.
A propriedade terá passado para a Ordem de S.Francisco altura em que foi adquirida por Domingos de Oliveira Maia, figura da cidade e associado a brasão pessoal existente numa sua moradia na foz e em final de sua vida no seu jazigo na Lapa.
Trata-se de um amplo edifício com loja, sobreloja e andar nobre, cuja feição quinhentista foi radicalmente alterada por obras setecentistas.



Fotos pessoal - fotos da degradação tida ao longo do tempo

Na fachada principal, de linhas barrocas, rasgam-se oito janelões sobrepujados por frontões triangulares, com varandas de ferro forjado, sobre igual numero de janelas da sobreloja, duas das quais ficam parcialmente obstruídas pelas grandes pedras de armas que figuram os brasões partidos dos Bravos e dos Ferrazes, enquadrando os dois portais centrais.
Estes brasões são constituídos por escudos de armas que podem ser quinhentistas, embora estejam montados numa estrutura ornamental com posta por volutas e enrolamentos barrocos, talvez em resultado das intervenções realizadas no século XVIII.
Sobressai ainda, como característica particular desta fachada, o beiral, muito saliente, assente numa série de cachorros em granito.
No interior, a casa possui uma larga escadaria em granito, com dois lanços laterais e um lanço central, em cujo corrimão se apoiam seis colunas elevadas até ao piso nobre. Nos salões existem tectos de estuque trabalhado.
A planta do conjunto é um U, definindo um pátio nas traseiras, pavimentado em lajes de granito, onde terá existido uma fonte barroca, da qual resta a taça e o grande golfinho que serviria de bica. 
Data da época das obras de renovação do imóvel, certamente meados do século XVIII, a construção de uma capela no pátio, atribuído o risco ao artista Nicolau Nazoni.
A capelinha, de planta octogonal era revestida a talha. Mais tarde foi colocada na capela da Quinta do vale de Abraão, em Lamego, pertencente aos mesmos proprietários.
Durante o século XX esta casa foi tendo o seu declínio pela ausência de vida, sofrendo vandalismos e destruição em todo o seu interior.
É perfeitamente visível o seu estado lastimável do seu exterior, sendo contudo garantida a sua traça, portais, janelas, gradeamentos e pedra de  armas ainda em bom estado.
Os herdeiros de Oliveira Maya, passaram a ser os proprietários desta casa, os Pereira Leitão e, destes, os Serpa Pimentel.
Na segunda metade do século XX, passou por compra aos Paulo Vallada, que a terão vendido aos actuais proprietários.
Recentemente com a recrudescer da cidade do Porto e o forte investimento turístico esta casa está em restauro/modernização. Esperemos que os seus proprietários dignifiquem a sua história. 

A pedra de armas tem a seguinte descrição:
Classificação:    Heráldica de Família
Época:              Séc. XVII ou XVIII
Escudo:             Francês ou quadrado, com os cantos superiores contra-curvados cortados
Material:           Granito
Formato:           Partido
Leitura:             I - Bravo
                         II - Ferraz
Cores:              I, de azul, com castelo de ouro, enxaquetado de vermelho, encimado de três torres de prata, aberto e iluminado de negro, a porta carregada de leão de ouro e sobre ela, um escudete de azul com três flor-de-lis de ouro; o castelo acompanhado, em chefe, de duas águias de prata voantes sobre as torres laterais, e assente num contrachefe de prata faixado-ondado de três peças de azul;
                        II - de vermelho com seis rodela ou arruela-besante de prata, cada um carregado de três fiaxas de negro, postas em grupo de 2,2,e 2;


Texto retirado de:
Brasões e Pedra de armas da Cidade do Porto, de Manuel Cunha 
Facebook, " A Arte da Heráldica de Família em Portugal, parte de comentários de Manuel Azevedo Graça